Guarda e pensão para pets. Como está se posicionando o judiciário?
Como abordado no artigo “Separou? Com quem fica o cachorro? ”, a inclusão dos pets como verdadeiros membros da família se tornou uma tendência mundial que deu origem a uma nova configuração familiar, nomeada de família “multiespécie”.
Igualmente pode ocorrer nas demais modalidades familiares, o casal matriz da família “multiespécie” também pode separar e, nesses casos, torna-se necessário não apenas definir as questões gerais de todo o divórcio ou dissolução de união estável, como também é essencial resolver as questões referentes ao animal de estimação daquele ex-casal.
Quem ficará com a guarda do animal?
São inúmeras as dúvidas que surgem. Quem ficará com a guarda do animal? É possível compartilhar a guarda? Terei direito de visita? Quem deve arcar com os gastos do animal?
Há uma verdadeira lacuna legislativa sobre tais questões. O direito não caminhou na mesma velocidade das mudanças sociais.
Atualmente, o ordenamento jurídico pátrio restritivamente atribui personalidade jurídica, que consiste na aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações, apenas aos seres humanos nascidos com vida. Os animais, pelo Código Civil, são tratados como semoventes, ou seja, coisas móveis que andam ou se movem por si próprios.
Por esse contexto, os pets seriam meramente bens sujeitos a partilha, o que não mais pode ser admitido diante do novo modelo de interação na relação humano-animal.
O que se verifica é que a legislação brasileira ainda está ultrapassada neste ponto. No entanto, o judiciário, cada vez de forma mais frequente, é instado a se pronunciar e a definir os conflitos decorrentes da dissolução de famílias “multiespécie”.
A jurisprudência majoritária reconhece a possibilidade de se conceder o direito de visita ou guarda
A jurisprudência majoritária reconhece a possibilidade de se conceder o direito de visita ou guarda em relação a animais de estimação, bem como o dever de o ex-casal dividir as despesas daquele bochicho. Aliás, diversos são os fundamentos utilizados em tais decisões.
Muitos julgadores preceituam que, devido a ausência de legislação própria, deve ser observado os termos do artigo 4º da Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro, segundo o qual “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Assim, devido à semelhança existente entre conflitos de guarda e visitas de filhos e de um animal de estimação, resguardadas as significativas peculiaridades de cada caso, se faz possível a aplicação analógica dos artigos 1.583 e seguintes do Código Civil, que regulamentam a guarda e visita dos filhos.
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Princípio da Afetividade também são relevantes fundamentos utilizados nas decisões que regulamentam a guarda e direito de visita em relação ao animal de estimação, vez que nesses casos o que se busca preservar é o afeto que aquela pessoa estabeleceu com e o animal de estimação.
O Ministro não deixou, contudo, de validar que os animais possuem natureza especial
Recentemente o STJ (Resp. 1.713.167 – SP) manteve acórdão proferido pelo TJSP que deferiu o direito de visitas ao ex- marido, após a dissolução do casamento. Nesta oportunidade, o Ministro Luís Felipe Salomão ponderou que a solução deve observar o afeto de ambos os cônjuges pelo animal e que “a definição da lide deve perpassar pela preservação e garantia dos direitos da pessoa humana, mais precisamente, o âmago de sua dignidade”. O I. Ministro não deixou, contudo, de validar que os animais possuem natureza especial, dotados de sensibilidades, devendo também ser considerado o seu bem-estar.
Não há dúvidas, pois, quanto a relevância do tema na atualidade e a necessidade de regulamentação específica sobre a questão, inclusive, como se verifica nos ordenamentos jurídicos de outros países “Como da Áustria, da Alemanha e da Suíça indicam expressamente que os animais não são coisas. Outros, como da França e da Nova Zelândia, vão mais além, indicando que os animais são seres sencientes“[1]
Os projetos de Lei que visam regulamentar a guarda e as despesas
Atualmente, no Brasil, tramitam no Senado Federal e na Câmara dos Deputados, projetos de Lei que visam regulamentar a guarda e despesas dos animais de estimação após a dissolução do casamento ou da união estável.
O Projeto de Lei do Senado n. 542 de 2018, que dispõe sobre a custódia compartilhada dos animais de estimação nos casos de dissolução do casamento ou união estável e ainda propõe a alteração do o Código de Processo Civil para determinar a aplicação das normas das ações de família aos processos contenciosos de custódia de animais de estimação, encontra-se em análise na Comissão de CCJ.
Simultaneamente, tramita nas casas do Congresso Nacional o Projeto de Lei da Câmara n. 62.2019, que também dispõe sobre a guarda de animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade do vínculo conjugal entre seus possuidores. O referido projeto prevê ainda as condições que o juiz deve observar para determinar a guarda do animal, caso não haja consenso e ainda a existência de sanções em caso de descumprimento das atribuições estabelecidas para cada parte. O PL 62.2019 encontra-se pronto para Pauta na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) e seguirá para aprovação na CCJ.
O que se verifica assim é que, embora paulatinamente, o judiciário e o legislativo buscam encontrar mecanismos para validar a existência das mais distintas facetas familiares e resguardar os direitos e deveres decorrentes das relações estabelecidas entre seus membros, tal como ocorre nas famílias multiespécias e seus “familiares” humanos e animais.
Esperamos, em breve, trazer novidades sobre a matéria e quem sabe a aprovação de algum dos projetos de lei que visam regulamentar a relações decorrentes da família multiespécie. E você, acha importante a normatização da questão?
Mayara Oddone Volpe Fuller – Especialista em direito de família.
[1]CHAVES, Marianna. Disputa de guarda de animais de companhia em sede de divórcio e dissolução de união estável: reconhecimento da família multiespécie? Artigo Científico. (https://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/4066/2788)
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